há vagas para heróis, assassinos e balconistas

O homem curva o pescoço em um ângulo de quarenta e cinco graus. Não é fácil vê-lo nessa posição. Perdeu-se na própria história. Dilui-se nos fragmentos assíncronos que sua lembrança brincou com o passado. Agora precisa jurar que tudo aconteu mesmo. Peças coladas precariamente na parede descolam o tempo todo. Ele as cola com o próprio cuspe em espaços em branco, desprezando a todo momento o buraco anterior, o buraco antes coberto e que agora é novo. A história faz sentido? Não.

Todos os elementos estão aqui: mulher, morte, amor, mentira, sonho. Tudo. Pontos com buracos enormes entre si. Nexos ausentes e um homem curvado que tenta contar a própria história, mas não lembra. O que aconteceu? Não sabe mais a razão dos arrepios. Sua memória brinca às escuras e um guiso dentro da alma a soar sem sentido. Não sabe o que procura. E na cadeira improvisada da mesa improvisada, dorme.

Que mulher é esta? vilã? Ou é uma memória algoz? Ou um narrador sem fixar os limites para a história. Ele poderia pelo menos deixar seu cômodo espaçoso na rua Pedroso de Moraes, 256 apto 805 e oferecer mais informações? Todos os livros – até os mais inacreditáveis – têm um homem pregado numa cruz. Faz parte da narrativas há, pelo menos, dois mil anos. Precisamos do homem responsável por tudo para decidir-lhe o destino. O narrador poderia ler alguns livros sobre coesão e coerência em narrativas. Alguma indicação?

A mulher escafedeu-se num lapso. Enquanto o narrador oscilava entre puta e asceta, os outros construíram o que ele não lembra. Há quem diga que ela nunca existiu e que tudo isso não passa de um bando de lorotas. Outros a aclamam heroína, a única capaz de salvar a história. Ela é capaz de fugir para uma nova história sem ser reconhecida, entendem? Ela é capaz de migrar para a página 53 de um escritor premiado pela academia de letras de alguma cidade litorânea e navegar num livros com páginas numeradas e, acreditem!, capa.

Daí, o que sobra é o homem curvado, o único vilão que temos para o momento, um vilão fraco, sem tensão dramática, um herói chifrado – se é que me entendem. O narrador é covarde demais para resgatar a personagem que a essa altura vive num romance remunerado. O narrador permanece a nos fazer reescrever uma história desconexa. É ele que aplica golpes injustos no homem como quem espeta agulhas num boneco Voo-doo.

E nisso é que há de se esperar do leitor. Como? Quando? De que maneira? Ainda não se sabe. Há de aparecer alguém para vingar a crueldade do narrador. Rezemos.

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